Ouço sons de correntes
arrastadas sobre o telhado cinza de minha casa,
nesta casa minha fortuna empoeirada
é espalhada pelos cantos que esqueço (ou me nego) arrumar
cobertos por lençóis aracnídeos abandonados em meia costura.
Tentei em vão com um isqueiro aquecer as pontas de meus dedos
mas o gás não fora suficiente
meu cachorro impaciente não dorme, sente fome
semi-morto o coração não muda o pulso, venta frio em minhas veias.
Exclamo: "Vou atear fogo em tudo!"
Fumaças negrejam a noite e a casa em chamas,
eu também em chamas irresoluto,
ainda sinto geladas as pontas de meus dedos
desisto, e me nego varrer as cinzas!
Volto a minha poltrona chamuscada,
apago em único sopro, as chamas sobre as letras do teclado,
restando acesa apenas a tecla "enter" do canto inferior direito
aproveito para acender outro cigarro.
As correntes continuam estribilhando seus refrões em meu telhado.
Reclamo: "Mas que diabo! Posso eu ter o silêncio?"
Subo ao telhado e vejo duas almas se arrastando
presas as malditas correntes ruidosas
peço a uma delas que segure meu cigarro
quebro três correntes com os dentes e uma alma vai embora
a outra fica ali fumando
disse a ela : "te dou o cigarro mas limpe as cinzas"
deixo o cigarro e desço.
O cachorro magro agora dorme
das correntes restaram poucos elos que caíram pelas calhas do telhado
vou me deitar e aproveitar a cama ainda quente por conta do incêndio
três cobertores e dois travesseiros defumados
apago a luz, tudo confortável e o sono vem
derrepente e sem aviso abrem-se janelas e portas
enquanto um vento frio percorre toda casa
levanto, acendo a luz e vejo a casa toda limpa
sem teias, sem poeira, nem cinzas,
só um toco de cigarro num cinzeiro
apago a luz e volto a cama, com um pensamento que não cala...
"Maldita alma caridosa, podia ter lhe pedido que me aquecesse os dedos
***por Wile Ortros
balada para um compositor desistente (breve resposta ao poema)
ResponderExcluirnão há canção que não saiba tocar
ou notas latentes que teus dedos
não alcancem e teus ouvidos
não distingam harmônicos
por um dia sonhou como Ícaro
fazer tuas asas de pesares, penas e cera
sobrevoar o mundo inteiro com a alma de pluma
e com teu violão de aço e madeira
hoje, corre sobre asfalto com tua moto velha
visitando os buracos que as chuvas abriram
e chora com elas em segredo para que não percebam
tudo o que te fere, te priva e te castra
tua dor teimosa vibra e ecoa pelos cantos surdos
junto com hálito que desperdiça nos acordes
que compõe para o esquecimento que invade
janelas e pupilas há muito dilatadas pela mentira
e agarrado à sua verdade pura e inocente, segue
isolado feito monstro amanhecido e exposto
procurando expiar-se em alamedas onde o amor esfria
e o prazer custa menos que o cansaço dos teus olhos
é muso de uma poeta que mal fala e esgueira-se
pelos campos da vergonha inócua por não
poder-te alcançar e muito menos diminuir a dor que sente
mas deflora o deserto do Planalto Central para ouvir-te
já não há espelhos em tua casa e o brilho das manhãs
não tocam mais teus prismas pernoitados, sem reflexo
a alma pesa mais que uma tonelada e quase nada sobrevive
à tua crença corrosiva que teima em manter-se etílica